#4 Quem me vinga da mandinga é figa de guiné
Passado, presente e minha relação com a fé.
O mistério me fascina e eu vivo encantada.
Esse texto é um relato da minha experiência com a fé e de como os pontos se conectam pra mim. Cada relação é muito íntima e única…mas se você se interessa genuinamente por tudo isso ou tem alguma experiência pra compartilhar, sugiro continuar comigo aqui.
Fui criada em igreja católica e, como muitas pessoas, estive imersa em uma educação na base do medo, com a dualidade de céu e inferno e todas as suas punições.
Acontece que esse mundo não contempla crianças questionadoras e eu quase fui expulsa da catequese. Imagina só! Além disso, aí tem também uma criança que sempre ficou horas olhando pro céu no quintal de casa, dava banho de lua nas suas pedras, passava um tempão com a mão na terra, tomando banho de ervas e cresceu ouvindo forró e diversos sambas, inclusive os sambas de terreiro. Nota: aí penso na ignorância, né…tanta gente demoniza as religiões de matriz afro — inclusive antes dentro da minha casa — e o que eu mais ouvia eram esses sambas. Santa ignorância. Ou não.
Corta pra uma Acácia com 17, 18 anos chegando em Curitiba e sendo levada por uma amiga em uma igreja metodista, cantando uns rock n’roll gospel e amando. Pasmem! Mas lógico que a criança questionadora continuava em mim e eu não me sentia plenamente contemplada. Mesmo assim, lá aprendi muito sobre união, carinho e cuidado. Esses rituais e essa religião cumpriu seu papel na minha vida.
Em terapia, ouvi falar sobre a umbanda, sobre as religiões de matriz africana e fui ler pra entender melhor. Fiquei fascinada. No mesmo ano, em 2018, fui na minha primeira gira em um terreiro pequenininho aqui perto de casa e era gira de Exu. O que assusta muitos pra mim foi normal e tudo fez sentido. As músicas ou os pontos como chamamos, o que eu tava ouvindo, vendo. Magia faz o corpo tremer mesmo.
Qualquer preconceito ou outro julgamento com isso, além de ignorância e de não caber aqui, era também ignorar a própria história e da onde eu vim.
Conheci outros terreiros e jogando obi descobri que minha mãe era Iemanjá. Em 2019 confirmei isso em Salvador, no meu primeiro dia e também no último, quando me perdi em uma ilha. Também descobri que Iansã estava em mim de uma forma potente, como minha psicóloga (também médium) bem falou. Aprendi a tocar atabaque e o ijexá me levou, igual peixinho que anda em bando nas ondas do mar. E olha que nem nadar eu sei!
Alguns anos depois, recebi o chamado pra consagrar ayahuasca e mesmo com medo (pelos relatos de experiências alheias) foi um dos momentos mais lindos que tive. Lembro de me espantar e achar que era tudo uma grande mentira porque logo que tomei a bebida que parecia um café, eu “só via” momentos bons e estava esperando pelo ruim. Engano meu.
Vi o pôr do sol de Salvador e Iemanjá em um barco, dona de si, se segurando no mastro da frente e em muitos momentos eles se fundiam…ela também era norte, guiança, era o próprio mastro que levava o barco. Em alguns momentos era Iemanjá, outros momentos era uma caiçara “comum”, muito muito parecida comigo. E eu que na época estava um pouco afastada da religião, senti que “ela” nunca saiu de mim. Ainda tava “tudo aqui”. E que bom!
Nessa experiência também veio muito sobre o ensinar, “ser professora” e isso ainda nem estava no meu universo, pelo menos na realidade da época. Pra mim isso não era algo possível e eu tenho isso anotado...eu não entendia. Agora eu sei.
Retornei ao nordeste e lembro de falar com uma amiga que eu não me sentia mais conectada como antes. Eu literalmente só falava com as estrelas, com minha avó e meus avôs já falecidos. Via eles em sonho e parecia que nada além disso fazia sentido, principalmente depois que um pai de santo que eu gostava muito faleceu. Eu me sentia muito conectada aos meus ancestrais, ainda mais lá em Caruaru, terra do meu vô, mas parecia que faltava algo.
Quando senti que era o momento, voltei pro terreiro. Faz tempo que eu tinha tatuado “axé” em mim, mas voltar…o cheiro da alfazema, do guiné, da arruda…tudo familiar. Comecei a ler mais e aprender, a ouvir sobre o amor e acreditar na minha evolução. O externo me fez e faz cada vez mais eu olhar pro interno, da onde eu vim e conectar os pontos.
Vi pessoas serem curadas, me senti querida, ouvida, cuidada pelas entidades, Orixás e especialmente pelas minhas amigas que nunca desistiram de mim. Com essas mesmas amigas, um tempo atrás lá no terreiro pequenininho, nós brincamos, cantamos, choramos e de mãos dadas comemos doces com os erês.
Meses depois, eram elas que me levavam de volta agora em uma outra gira.
Aí eu penso que a fé é um “negócio” doido, né? Eu não me vejo na minha melhor fase aos olhos da sociedade e à essa vida cheia de burocracias necessárias, mas ao mesmo tempo eu sinto tanto que as coisas tem caminhado pro melhor. Me faltam palavras às vezes…mas eu acredito que quem tem fé consiga entender. Como é bom estar com pessoas que caminham em prol da própria evolução (em todos os âmbitos!) e ainda auxiliam o outro, tudo isso pautado no amor.
E como a vida não é um morango, sempre vai ter gente pra julgar, pra dizer que você sumiu ou que você não está nos lugares “que deveria/costumava estar”, mas a verdade é que quem tá vibrando na mesma energia sempre sabe como nos acessar. Eu estou nos lugares que eu preciso estar mas, especialmente, com as pessoas que eu me sinto bem e confortável pra ser eu mesma, com aquela “Acácinha” falante, empolgada, otimista, mas questionadora e tudo mais.
O que eu quero mesmo é saber como eu posso ser uma pessoa melhor, como eu posso me colocar à disposição pra ajudar o outro no seu caminho, como eu posso contribuir em certos lugares, relações, empresas. Eu não quero julgar, falar da vida alheia, dar palco pro meu pior ou pros meus defeitos porque eu sei que eles existem.
E tá tudo bem! O Cacique puxa minha orelha, o Caboclo só falta me dar uma surra de Espada de São Jorge quase sempre pra eu ter paciência, Exu me inspira e cura, a Preta Velha me benze, me limpa, reza por mim, me cuida junto com as minhas amigas, meus avós e a ancestralidade me ilumina e me mostra o caminho. A fé é isso: nem sempre a gente vê, mas sente. E por sentir, eu não desisto.
Quero honrar todos que estão comigo, todos que vieram antes. Quero honrar meu nome, sobrenome e deixar um legado. Não desisto. Aliás, tentando às vezes eu até morro na praia, mas é lá que minha mãe mora…aí eu sei que vai ficar tudo bem. Tô abrindo meus caminhos.